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Ética digital: condição para uma sociedade justa e livre

Autor: Armando Terribili Filho da IMPARIAMO®.

 

Nos últimos dez anos, assistimos a frequentes lançamentos de inovações tecnológicas, com destaque para os smartphones, netbooks, câmeras digitais, tablets, e-readers e similares. Os novos produtos (que vêm se tornando cada vez menores, mais leves, portáteis e com baterias de longa duração) trazem consigo inúmeras funcionalidades de telefonia móvel, som, imagem e acesso à Internet, propiciando que a decantada “convergência digital” (reunião de facilidades em um único equipamento) se materialize antes do que muitos otimistas julgavam ser possível.

Com absoluta destreza, os jovens têm domínio imediato dessas novas tecnologias, parecendo ter uma habilidade inata. Por mais estranho que possa parecer, tem-se a sensação que a habilidade e rapidez de se manusear teclas e botões destes dispositivos são inversamente proporcionais à idade da pessoa, ou seja, quando mais jovem for, mais ágil no uso destas invenções.

Hoje, é algo relativamente corriqueiro se tirar fotos com o uso de smartphones, ou mesmo, realizar gravações de áudio e vídeo. Há menos de 30 anos, quando tirávamos nossas fotos, tínhamos que esperar por alguns dias para se revelar o filme, realizar a ampliação e as cópias. Hoje, pode-se ver uma foto de modo quase que instantâneo, e decidir por guardá-la ou removê-la do equipamento.

Certamente, essas novas tecnologias têm trazido à sociedade inúmeras facilidades e conforto não só na vida pessoal como em áreas de serviços ao cidadão, como saúde, transportes, pagamentos, etc. Entretanto, como toda mudança, essas novas tecnologias trazem consigo algumas alterações comportamentais nos usuários.

A primeira delas é que o timing (velocidade) das pessoas é outro. Quando queremos falar com alguém podemos telefonar, mandar torpedo ou e-mail; assim, o contato ficou muito mais rápido e praticamente imediato. Como consequência da repetição deste comportamento no dia a dia, é que cada vez mais estamos “desaprendendo a esperar”, estamos nos tornando cada vez mais imediatistas (as gerações Y e Z estão aí para ratificar isto!) e até ansiosos.

A segunda mudança é a baixa prioridade para o planejamento das ações, ou seja, a cada dia torna-se mais comum o método “tentativa e erro”, ou seja, as pessoas estão se tornando mais sinestésicas. Exemplo disto é quando se adquire um novo equipamento eletroeletrônico: não se lê o manual de instruções; simplesmente começa-se a utilizar o bem adquirido, sendo que o manual somente é retirado do plástico que o envolve, em caso de não funcionamento ou mau funcionamento do equipamento.

A terceira mudança comportamental, alvo deste artigo, é quanto ao conceito do que é de domínio público ou particular (imagem, áudio, informações da Internet, produtos de software). É relativamente comum observar jovens fotografando ou mesmo filmando as pessoas e disponibilizando estas imagens (acompanhadas de som ou não) em redes sociais e em blogs.

Outro ponto é que se faz cópia de textos, artigos, trechos de livros e teses que foram disponibilizados na Internet de forma indiscriminada, sem mencionar o autor, como se estes materiais fossem de domínio público. Além disto, há também a questão de softwares disponíveis em sites para download, pois há casos que são softwares pagos e não gratuitos, caracterizando-se violação de direitos autorais.

Você já parou para pensar nestas situações? O que você acha de ser filmado (sem autorização) e ter este vídeo disponibilizado no YouTube? Alguns dirão que isto é aceitável, pois na atualidade somos filmados em elevadores, supermercados, postos de gasolina e até mesmo andando na rua; todavia, as organizações que nos filmam só podem disponibilizar as imagens em conformidade com a lei, o que é completamente distinto do que vem ocorrendo hoje em dia.

Outro aspecto preocupante é “gravar” a voz de sua pessoa sem sua permissão, com os mais diversos objetivos. Imagine se ocorresse a gravação de uma sessão de psicanálise ou mesmo de uma aula. Que direito tem a pessoa de tornar público aquilo que foi dito em meio particular? Ademais, o “contexto” em que algo é dito, torna-se totalmente relevante e significante para o correto juízo de valor. Por outro lado, frases soltas, editadas e sem o contexto em que foram externadas podem se tornar em poderosa arma de destruição contra uma pessoa.

Na matéria de Luciana Fuoco, intitulada “Bom uso da Internet” publicada na edição 112 da Revista Meu Próprio Negócio, a advogada especialista em Direito Digital, Dra. Patrícia Peck Pinheiro, recomenda que a área de Recursos Humanos das organizações divulgue às suas equipes as regras para uso da Internet e elaborem um código de conduta e postura nas redes sociais, pois podem impactar a imagem da organização.

Neste cenário, a especialista recomenda a “vigilância” das ações dos colaboradores para evitar problemas jurídicos. Na referida matéria, Luciana Fuoco apresenta de forma didática uma tabela contendo: falha na conduta digital, legislação que dá sustentação e respectiva penalidade. Dentre as falhas na conduta digital encontram-se: usar marcas ou logos sem autorização, enviar informações da empresa a concorrentes, enviar e-mails a terceiros com informação confidencial da empresa ou informações confidenciais de seu trabalho, falar mal de superior hierárquico ou colega de trabalho na Internet.

Evidentemente que as organizações estão atribuindo prioridade a essas questões, pois os danos que podem ser causados à sua imagem e marca são incomensuráveis. Todavia, a sociedade (hoje digital) deve refletir sobre necessidade de se instituir no currículo das instituições de ensino uma disciplina relacionada à Educação Digital, que transcenda o objetivo de capacitar os alunos na utilização das novas ferramentas, mas sim, de prepará-los para seu engajamento correto deste novo cenário, pois as ações do cidadão devem ter como base a boa conduta moral e ética, seja no ambiente empresarial, educacional ou de lazer.

Sem dúvidas, a liberdade de expressão é uma conquista das sociedades democráticas, porém, em redes sociais, sites e blogs podem-se encontrar ofensas e ameaças, conteúdos discriminatórios, fotos não autorizadas e racismo. Isto não é liberdade de expressão, mas sim, agressões irresponsáveis de poder destrutivo que podem causar danos morais, psicológicos e materiais às pessoas.

Por isso, torna-se imprescindível que no ensino fundamental, médio e superior o tema “Ética Digital” seja incluído nas salas de aula e nos laboratórios de informática, não somente como “atitude” dos alunos, mas como disciplina obrigatória, quando então seriam discutidas as questões de propriedade intelectual e direitos autorais, utilização e exposição de voz e imagem de terceiros, download de aplicativos, crimes digitais e código de conduta na Internet. A institucionalização da disciplina Ética Digital não é suficiente para criarmos uma sociedade justa e livre, mas certamente, é condição necessária!


Notas:

  1. É permitida a reprodução desse artigo, desde que citado o autor e a fonte (Impariamo® Cursos e Consultoria).
  2. Artigo originalmente publicado no site Meta Análise.

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