Autor: Armando Terribili Filho da IMPARIAMO®.
O tema “gerenciamento do escopo” é um dos mais complexos na gestão de projetos. O Benchmarking em Gerenciamento de Projetos de 2013, apontou que dentre os 20 problemas mencionados pelas 676 organizações pesquisadas:
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- “Escopo não definido adequadamente” – apontado para 59,6% das organizações respondentes, ficando em segundo lugar dos 20 problemas apontados;
- “Mudanças de escopo constantes” – apontado para 52,5% das organizações respondentes, ficando em quarto lugar.
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Na Figura 1 são apresentados apenas os 10 problemas mais frequentes nas organizações, com destaque para os dois problemas mencionados.
A definição do escopo não é algo tão simples como pode parecer. A confusão começa em identificar a diferença de “escopo de projeto” e “escopo de produto”. E atenção, quando se fala em dificuldades, entenda-se neste universo não apenas leigos, mas também alguns profissionais de mercado e da área de projetos alunos de pós-graduação.
Com base na 6ª. edição do Guia PMBOK® (2017, p. 131), as definições:
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- “Escopo do produto: as características e funções que descrevem um produto, serviço ou resultado.
- Escopo de projeto: o trabalho que deve ser realizado para entregar um produto, serviço ou resultado com as características e funções especificadas.” (grifos nossos).
O próprio Guia PMBOK® complementa a definição e tenta amenizar a confusão quando menciona que “O termo ‘escopo do projeto’ às vezes é visto como incluindo o escopo do produto”. (p. 131).
Esquecendo-se da questão semântica do que é “escopo de produto” e “escopo de projeto”, as palavras mencionadas nas definições (características, funções e trabalho) são muito distintas. Assim, quando se fala em “características e funções”, o que se pretende é definir a entrega do projeto. Por exemplo, se o projeto fosse uma festa de casamento, ter-se-ia como características: salão de festas para 100 pessoas, música com DJ, serviço de alimentação ampla (deve atender pessoas com intolerância a glúten, açúcar ou lactose), decoração do salão no estilo dos anos 80, serviço de vallet para estacionamento de veículos, serviço de segurança, dentre outros).
Em contrapartida, quando se fala em “trabalho”, o que se pretende é mostrar é o “esforço” necessário para se entregar o produto definido. Esforço é representado por “ações” ou “atividades”. Por exemplo: Identificar 5 salões de festas na cidade com capacidade para pelo menos 100 pessoas, Visitar os salões de festas, Solicitar orçamentos, Equalizar as propostas (método técnica/preço 80/20), Escolher o salão, Contratar o salão, Elaborar e assinar o contrato de aluguel, Vistoriar, Decorar o salão, Pagar, Acompanhar vistoria na devolução, etc. Pode-se notar que as “ações” ou “atividades” começam sempre por um verbo, indicando “ação”.
Retornando à discussão sobre escopo do produto e escopo do projeto, convém debater sobre quais seriam os documentos para registro do escopo do produto e escopo do projeto. O escopo do produto (características e funções do que será gerado pelo projeto) deve ser registrado em uma lista, que pode ser chamada de Lista de Requisitos.
Os registros dos requisitos na lista devem ser devidamente numerados e especificados, incluindo data de inclusão, o solicitante, tipo (funcional, legal, de segurança, de desempenho, dentre outros) e critérios de aceite, se houver (de preferência os critérios devem ser: quantificáveis, verificáveis e realistas). No Guia PMBOK®, a Lista de Requisitos é chamada de Matriz de Rastreabilidade de Requisitos. As características e funções do produto também podem estar descritas por meio de desenhos e especificações. (Xavier, 2009).
O escopo do projeto (trabalho) é dado pelo cronograma, pois representa o “esforço” que será dispendido, que em um nível mais elevado seria a EAP (Estrutura Analítica do Projeto), também chamada de WBS (Work Breakdown Structure). A EAP é a decomposição sucessiva da entrega do projeto em entregáveis menores (hierarquizados) até o nível de “pacote de trabalho”. Em geral, a EAP é apresentada de forma visual. Com isso, o entendimento do projeto (o que está contemplado e o que não está) fica explícito; ademais, o planejamento e o gerenciamento ficam facilitados; com base na EAP é que se desenvolve o cronograma de maneira segura e bem detalhada, tanto para as estimativas de tempo, como as de custos.
A pergunta que permanece é: “Qual é a origem dessa confusão entre Escopo de Projeto e Escopo de Produto?”.
Resposta: uma possível interpretação equivocada do Guia PMBOK®. Explicando melhor: em três exemplos de EAP contidos no Guia PMBOK® (Figuras 5-12, 5-13 e 5-14, respectivamente, nas páginas 158, 159 e 160) o item “Gerenciamento de Projetos” aparece como um dos elementos nessas figuras. Não que esteja errado, está correto, mas pode causar uma interpretação equivocada. Por exemplo, a Figura 2 apresenta quatro elementos no segundo nível: 1.1 Avaliação de Necessidades, 1.2 Desenvolvimento de Padrões, 1.3 Engenharia de Sistemas e 1.4 Gerenciamento de Projetos.
Após indagar a alguns alunos e ex-alunos que tinham dúvidas sobre Escopo de Projeto/Escopo de Produto, obtive como resposta que os itens 1.1 Avaliação de Necessidades, 1.2 Desenvolvimento de Padrões, 1.3 Engenharia de Sistemas representavam o escopo do produto, enquanto o item 1.4 (Gerenciamento de Projetos) representava o escopo do projeto. Está incorreto! A EAP como um todo representa o Escopo do Projeto, pois a partir dela é que serão definidas as atividades (esforço, trabalho) – Figuras 3 e 4.
No caso do item 1.4 (Gerenciamento de Projetos), se detalhado, poder-se-ia ter: 1.4.1 Planejamento, 1.4.2 Reuniões, 1.4.3 Administração. Essa decomposição é proposta na Figura 5-13 do próprio Guia PMBOK® (p. 159). É importante ressaltar que dentre as atividades para o item 1.4.1 Planejamento, poderiam estar contempladas: Definir equipe de trabalho, Organizar, divulgar e realizar a reunião inicial, Definir os artefatos a serem gerados, etc.
Ressalta-se que o detalhamento de “Gerenciamento de Projetos” pode variar de projeto para projeto, em função do tipo de projeto, complexidade, controles e padrões definidos pelo PMO (Project Management Office) ou pela equipe do projeto.
Na Figura 5, a síntese sobre Escopo de Projeto e Escopo de Produto com a documentação mínima para suas definições.
Moral da história: saber a diferença entre Escopo de Produto e Escopo de Projeto não é tão relevante, mas não elaborar uma Lista de Requisitos do produto ou serviço a ser gerado pelo projeto é uma falha grave!
Referências:
PMSURVEY.ORG 2013 Edition. Estudo de Benchmarking em Gerenciamento de Projetos. Disponível em: <http://www.pmsurvey.org>. Acesso em: 30 set. 2014.
PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE – PMI. Um Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos (Guia PMBOK®).6. ed. Pensilvânia: Project Management Institute, 2017.
XAVIER, Carlos Magno da Silva. Gerenciamento de projetos: como definir e controlar o escopo do projeto. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
Agradecimentos
Aos alunos da Turma XI no MBA em Gerenciamento de Projetos da UNIVALI de Itajaí (SC), pelo questionamento crítico, colaboração, e sobretudo, inspiração.
Notas:
- É permitida a reprodução desse artigo, desde que citado o autor e a fonte (Impariamo® Cursos e Consultoria).
- Quanto ao tema “Mudanças de Escopo”, recomenda-se a leitura do artigo “O desafio do gerente na gestão de mudanças”.